Mães em Tech

Um desafio dentro do desafio

Ju Ferreira

5/28/20245 min ler

Mães em Tech: um desafio dentro do desafio

Esse domingo foi o dia das mães e não consegui escrever nada na data... Esse dia, que foi escolhido para celebrar as mães – e talvez dar um descanso pra elas – acaba gerando uma correria para cada uma dessas mulheres... São almoços, encontros em família, comemorações nas quais os filhos (e elas mesmas!) têm que estar arrumados, têm que ser alimentados, têm que estar felizes... Enfim, é uma celebração bem-vinda, mas as pressões existem. O resultado disso é que não foi possível sentar e escrever nada. Nem um “parabéns” pra as mães que eu amo e admiro, que dirá um texto falando sobre a maternidade e seus desafios. Mas tudo bem: eu trabalho com a convicção que dia das mães é todo dia, então vamos lá.

Estava aqui pensando no que poderia dizer para as mães que trabalham em tecnologia. Queria que fosse algo breve – já que para essas mães, tempo é o recurso mais precioso que existe – mas ao mesmo tempo significativo. Queria mesmo poder fazer todas elas, em todos os cantos, sentirem que não estão sozinhas, que tem alguém que entende seus problemas e sofrimentos, ao mesmo tempo que sente sua felicidade e comemora suas vitórias. Resolvi dar meu depoimento sobre a minha experiência de maternidade e a soma disso com o trabalho na área de inovação e tecnologia.

Há dois anos e meio fui "promovida" ao cargo mais importante (e difícil!) da minha vida: o cargo de mãe. É aquela posição bem cotada no mercado (muitas mulheres tem o desejo de chegar nesse lugar) e que – apesar de não ter nenhum incentivo financeiro e significar longas jornadas, preocupação infinita, possibilidade constante de burnout – tem muitas recompensas (quem já ouviu aqueles velhos clichês: “mãe é mãe” ou “mãe só tem uma”, ou já sentiu uma mãozinha fazendo um carinho no seu rosto e dizendo “te amo, mamãe” sabe do que eu estou falando) e uma taxa de retenção ao “job” que tende aos 100% (ou alguém conhece alguma ex-mãe?).

Acontece que, em meio a isso tudo – às dores e delícias da maternidade – eu continuo trabalhando na área de inovação, o que por si só é uma jornada repleta de obstáculos. Só para dar uma ideia das dificuldades: no Brasil, as mulheres ocupam apenas 20% dos postos em TI, segundo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). E, se em cargos ocupados por mulheres em tech há um déficit importante, quando falamos de mulheres na liderança de áreas de inovação e tecnologia, o cenário é ainda mais complexo – somente 16% das empresas de tecnologia na América Latina contam mulheres em cargos seniores, de acordo com uma pesquisa das consultorias KPMG e Harvey Nash. Além disso, há o problema da equidade salarial (as mulheres ainda recebem muito menos do que seus pares homens, mesmo tendo as mesmas qualificações e exercendo as mesmas funções: uma pesquisa da empresa de recrutamento executivo Plongê, mostrou a desigualdade salarial no setor de tecnologia, afirmando que diretoras de TI ganham, em média, 48% menos que seus colegas do sexo masculino). E existem também problemas de oportunidades de trabalho para mulheres nessa área, que são significativamente menores. Isso tudo sem contar os desafios de dupla ou tripla jornada, os cuidados com a casa, com a família e as pressões sociais que as mulheres sofrem a todo momento.

Quando falamos de mães no mercado de trabalho, temos que acrescentar a toda essa equação a possibilidade de desemprego após a licença-maternidade (segundo uma pesquisa da FGV, cerca de metade das mulheres acabam sendo dispensadas do emprego até 12 meses após terem um filho) e a experiência negativa geral de trabalhar após a maternidade: as mães precisam de benefícios específicos, como flexibilidade de horários / local de trabalho, auxílio creche / escola, entre outros – o que não é geralmente oferecido pelas empresas.

No meu caso específico, tenho o privilégio de ter esses benefícios (tenho flexibilidade de horários e trabalho na modalidade full home-office) e, por ser empreendedora, consegui garantir a continuidade da minha posição no mercado, mas isso não significa que não existiram obstáculos. Justamente por ser sócia de uma empresa, que – para se manter no mercado – depende da minha atuação, não houve licença-maternidade. Claro que me dediquei muito à maternidade, mas não houve aquele tempo de total desconexão das atividades profissionais: os clientes continuaram ligando, segui fazendo reuniões (virtuais, evidentemente!) e as demandas continuaram surgindo e sendo atendidas. Também senti muito a questão das novas tensões quando virei mãe: ser empresária, no Brasil, é uma jornada repleta de riscos e, com a chegada das minhas filhas, toda essa parte da instabilidade (financeira, profissional, emocional) da vida empreendedora me apertou bastante.

Mas (acho bem importante dizer isso!) nem tudo são penas: o mundo da inovação e tecnologia é bastante aberto e me permitiu criar novas empresas, desenvolver soluções para resolver problemas da sociedade, liderar times em várias áreas – e tudo isso sem sair de casa.

Com a chegada da maternidade, eu também senti que melhorei, como pessoa e como profissional. Algumas das competências do futuro para 2025 definidas pelo FEM (Fórum Econômico Mundial) são especialmente presentes em mães, como, por exemplo, o pensamento analítico e inovador (que precisamos exercitar toda vez que temos que conciliar as demandas dos filhos com as datas de entregas de projetos, por exemplo), a resolução de problemas complexos, que trata da capacidade de criar soluções claras, objetivas e diferentes dos métodos tradicionais com o intuito resolver problemas (que praticamos a todo momento, com os filhos e no trabalho) e a criatividade, originalidade e iniciativa (que é necessária a todo momento e floresce quando somos mães). O que dizer também sobre a liderança e influência social (a mãe é a primeira líder e influenciadora da vida das pessoas) e da resiliência, tolerância ao stresse e flexibilidade (lugar-comum na vida das mães)? Todas essas, entre outras, são competências que se tornam essenciais no dia a dia e que são extremamente úteis no ambiente profissional.

Com tudo isso, posso dizer tranquilamente: nesses últimos dois anos, trabalhei como nunca havia trabalhado e tive momentos de cansaço que beiraram a exaustão, mas tenho certeza de que tudo valeu a pena.

Minhas filhas (sim, eu não havia contado que sou mãe de gêmeas, né?! Sou mãe da Helena e da Carolina, dois furacõeszinhos em forma de gente) são a coisa mais importante da minha vida e, ao invés de reduzirem a minha energia no trabalho (pelas milhares de horas de dedicação e infinitas tarefas diárias), me deram muito mais ânimo e motivação para realizar coisas e deixar um legado.

É por isso que eu convido todas as mulheres que trabalham em inovação e tecnologia a pensarem com carinho na maternidade (particularmente, eu acho incrível a possibilidade que as mulheres têm, hoje em dia, de escolher se querem ou não ter filhos – e não há absolutamente nada de errado se, depois de pensar com carinho, a decisão for de não ser mãe). Eu acredito que as mulheres do mundo de tech que se tornam mães formam seres humanos e cidadãos melhores e mais preparados para o futuro.

Também convido as mães de toda parte a entrarem no mercado de tecnologia (mesmo se não tiverem conhecimento na área). Como já disse, é uma área cheia de desafios e aventuras, onde todas as habilidades maternas são muito úteis a todo momento. E também é um campo vasto de oportunidades – ainda que, por hora, as mulheres sejam minoria, e que não haja equidade plena, o cenário está mudando: e precisamos de mães engajadas para fazer esse futuro ser diferente, para nossas filhas e filhos.